domingo, 5 de julho de 2009

HISTÓRIA - DAS CAVERNAS AO TECEIRO MILÊNIO

HISTÓRIA – DAS CAVERNAS AO TERCEIRO MILÊNIO 1
LAMPIÃO: O REI DO CANGAÇO
Madrugada de 28 de julho de 1938. O sol ainda
não tinha nascido quando os estampidos ecoaram na
Grota do Angico, na margem sergipana do rio São
Francisco. Depois de uma longa noite de tocaia, 48
soldados da polícia de Alagoas avançaram contra um
bando de 35 cangaceiros. Apanhados de surpresa -
muitos ainda dormiam -, os bandidos não tiveram
chance. Combateram por apenas quinze minutos.
Entre os onze mortos, o mais temido personagem
que já cruzou os sertões do Nordeste: Virgulino
Ferreira da Silva, mais conhecido como Lampião.
Era o fim da incrível história de um menino que nasceu no sertão pernambucano e se
transformou no mais forte símbolo do cangaço. Alto - 1,79 metros -, pele queimada pelo
inclemente sol sertanejo, cabelos crespos na altura dos ombros e braços fortes, Lampião era
praticamente cego do olho direito e andava manquejando, por conta de um tiro que levou no
pé direito. Destemido, comandava invasões a sítios, fazendas e até cidades.
Dinheiro, prataria, animais, jóias e
quaisquer objetos de valor eram levados pelo
bando. "Eles ficavam com o suficiente para
manter o grupo por alguns dias e dividiam o
restante com as famílias pobres do lugar", diz
o historiador Anildomá Souza. Essa atitude,
no entanto, não era puramente
assistencialismo. Dessa forma, Lampião
conquistava a simpatia e o apoio das
comunidades e ainda conseguia aliados.
Os ataques do Rei do Cangaço - como Lampião ficou conhecido - às fazendas de cana-deaçúcar
levaram produtores e governos estaduais a investir em grupos militares e
paramilitares. A situação chegou a tal ponto que, em agosto de 1930, o Governo da Bahia
Aba do chapéu de Lampião
Lampião e Maria Bonita
HISTÓRIA – DAS CAVERNAS AO TERCEIRO MILÊNIO 2
espalhou um cartaz oferecendo uma recompensa de cinqüenta contos de réis para quem
entregasse, "de qualquer modo, o famigerado bandido". "Seria algo como duzentos mil reais
hoje em dia", estima o historiador Frederico Pernambucano de Mello. Foram necessários oito
anos de perseguições e confrontos pela caatinga até que Lampião e seu bando fossem mortos.
Mas as histórias e curiosidades sobre essa fascinante figura continuam vivas.
Uma delas faz referência ao respeito e zelo que Lampião tinha pelos mais velhos e pelos
pobres. Conta-se que, certa noite, os cangaceiros nômades pararam para jantar e pernoitar
num pequeno sítio - como geralmente faziam. Um dos homens do bando queria comer carne e
a dona da casa, uma senhora de mais de 80 anos, tinha preparado um ensopado de galinha. O
sujeito saiu e voltou com uma cabra morta nos braços. "Tá aqui. Matei essa cabra. Agora, a
senhora pode cozinhar pra mim", disse. A
velhinha, chorando, contou que só tinha aquela
cabra e que era dela que tirava o leite dos três
netos. Sem tirar os olhos do prato, Lampião
ordenou um de seu bando: "Pague a cabra da
mulher". O outro, contrariado, jogou algumas
moedas na mesa: "Isso pra mim é esmola". Ao
que Lampião retrucou: "Agora pague a cabra,
sujeito". "Mas, Lampião, eu já paguei". "Não.
Aquilo, como você disse, era uma esmola.
Agora, pague."
Criado com mais sete irmãos - três mulheres e quatro homens -, Lampião sabia ler e
escrever, tocava sanfona, fazia poesias, usava perfume francês, costurava e era habilidoso
com o couro. "Era ele quem fazia os próprios chapéus e alpercatas", conta Anildomá Souza.
Enfeitar roupas, chapéus e até armas com espelhos, moedas de ouro, estrelas e medalhas foi
invenção de Lampião. O uso de anéis, luvas e perneiras também. Armas, cantis e acessórios
eram transpassados pelo pescoço. Daí o nome cangaço, que vem de canga, peça de madeira
utilizada para prender o boi ao carro.
Nasce um bandido
Apesar de ser o maior ícone do Cangaço, Lampião não foi o criador do movimento. Os
relatos mais antigos de cangaceiros remontam a meados do século 18, quando José Gomes,
Cabrocha pra sê bunita.
Bunita como os amo.
Basta um vistido de chita
si chamá Maria Bonita.
E na cabeça uma frô.
Poesia de Lampião para Maria Bonita
HISTÓRIA – DAS CAVERNAS AO TERCEIRO MILÊNIO 3
conhecido como Cabeleira, aterrorizava os povoados do sertão. Lampião só nasceria quase 130
anos mais tarde, em 1898, no sítio Passagem das Pedras, em Serra Talhada, Pernambuco.
Após o assassinato do pai, em 1920, ele e mais dois irmãos resolveram entrar para o bando do
cangaceiro Sinhô Pereira.
Duramente perseguido pela polícia,
Pereira decidiu sair do Nordeste e deixou o
jovem Virgulino Ferreira, então com 24 anos,
no comando do grupo. Era o início do lendário
Lampião.
Os dezoito anos no cangaço forjaram
um homem de personalidade forte e temido
entre todos, mas também trouxeram riqueza
a Lampião. No momento da sua morte, levava consigo 5 quilos de ouro e uma quantia em
dinheiro equivalente a 600 mil reais. "Apenas no chapéu, ele ostentava 70 peças de ouro
puro", ressalta Frederico de Mello. Foi também graças ao cangaço que conheceu seu grande
amor: Maria Bonita.
Em 1927, após uma malograda tentativa de invadir a cidade de Mossoró, no Rio Grande
do Norte, Lampião e seu bando fugiram para a região que fica entre os estados de Sergipe,
Alagoas, Pernambuco e Bahia. O objetivo era usar, a favor do grupo, a legislação da época,
que proibia a polícia de um estado de agir além de suas fronteiras. Assim, Lampião circulava
pelos quatro estados, de acordo com a aproximação das forças policiais.
Numa dessas fugas, foi para o Raso da Catarina, na Bahia, região onde a caatinga é
uma das mais secas e inóspitas do Brasil. Em suas andanças, chegou ao povoado de Santa
Brígida, onde vivia Maria Bonita, a primeira mulher a fazer parte de um grupo de cangaceiros.
A novidade abriu espaço para que outras mulheres fossem aceitas no bando e outros casais
surgiram, como Corisco e Dadá e Zé Sereno e Sila. Mas nenhum tornou-se tão célebre quanto
Lampião e Maria Bonita. Dessa união nasceu Expedita Ferreira, filha única do lendário casal.
Logo que nasceu, foi entregue pelo pai a um casal que já tinha onze filhos. Durante os
cinco anos e nove meses que viveu até a morte dos pais, só foi visitada por Lampião e Maria
Bonita três vezes. "Eu tinha muito medo das roupas e das armas", conta. "Mas meu pai era
carinhoso e sempre me colocava sentada no colo pra conversar comigo", lembra dona
Expedita, hoje com 70 anos e vivendo em Aracaju, capital de Sergipe, Estado onde seus pais
foram mortos.
HISTÓRIA – DAS CAVERNAS AO TERCEIRO MILÊNIO 4
Cabeças na escada
Em julho de 1938, após meses
perambulando pelo Raso da Catarina,
fugindo da polícia, Lampião refugiou-se na
Grota do Angico, perto da cidade de Poço
Redondo. Ali, no meio da caatinga
fechada, entre grandes rochas e cactos, o
Governador do Sertão - como gostava de
ser chamado - viveu as últimas horas dos
seus 40 anos de vida. Na tentativa de
intimidar outros bandos e humilhar o Rei
do Cangaço, Lampião, Maria Bonita e os
outros nove integrantes do grupo mortos
naquela madrugada foram decapitados e
tiveram as cabeças expostas na escadaria da Prefeitura de Piranhas, em Alagoas. Os que
conseguiram escapar se renderam mais tarde ou se juntaram a Corisco, o Diabo Loiro, numa
tentativa insana de vingança que durou mais dois anos, até a morte deste em Brotas de
Macaúbas, na Bahia. Estava decretado o fim do cangaço.
Não são poucas as lendas que nasceram com a morte de Lampião. Uma fala de um tesouro
que ele teria deixado enterrado no meio do sertão. Outra conta que Lampião não morreu e
vive, com mais de 100 anos, no interior de Pernambuco. Mas a verdade é que, mesmo 65 anos
depois da sua morte, Virgulino Ferreira da Silva, aquele menino do sertão nordestino que se
transformou no temido Lampião, ainda não foi esquecido. E sua extraordinária história leva a
crer que nunca o será.
*Matéria

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